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Formação nacional

A que serve apagar a história dos países atrasados

Campanhas feitas recentemente pela derrubada de monumentos no Brasil, na Europa e nos EUA revelam um problema grave para os povos de todo o mundo

Na última semana, este diário tem dedicado um espaço significativo à discussão sobre a derrubada de monumentos, explicando os aspectos políticos e ideológicos por trás desse tipo de campanha. Contudo, para a perplexidade de nossa redação, verificamos que a defesa da derrubada de monumentos tem adquirido um caráter cada vez mais irracional — para não dizer bizarro — e, inevitavelmente, pró-imperialista.

Recebemos a notícia de que o Partido Socialista da Islândia (Sósíalistaflokk Íslands) pretende lançar uma campanha pela derrubada do monumento em homenagem a Ingólfr Arnarson, fundador do país nórdico. A campanha é apesentada como uma reivindicação do movimento Black Lives Matter (Vidas negras importam) e alega que Ingólfr Arnarson (849-910) teria assassinado heróis que lutavam pela liberdade.

Antes de entrarmos no debate sobre o caso islandês, apresentaremos um caso mais conhecido do leitor brasileiro. Segundo o blog da Casa 1 — instituição de acolhimento para LGBTs —, o monumento em homenagem a Pedro Álvares Cabral localizado no Parque Ibirapuera deveria ser considerado uma estátua racista e, portanto, ser derrubado. O pretexto seria o de que a “invasão portuguesa” do Brasil teria provocado um genocídio dos povos indígenas.

Uma política confusionista

A discussão em torno da derrubada de monumentos carrega, em si, uma série de componentes ideológicos, que serão discutidos neste artigo. No entanto, como tanto a campanha brasileira como a campanha islandesa são resultado da luta política em curso, não podemos deixar de pontuar o aspecto político da discussão.

As últimas semanas produziram uma quantidade gigantesca de artigos sobre a derrubada de monumentos. Isso, por sua vez, não pode ser encarado como uma coincidência, mas sim como obra de um acontecimento recente: após meses de paralisia da esquerda mundial por causa da pandemia de coronavírus, o povo saiu às ruas, de maneira bastante radical, nos Estados Unidos e na Europa e, em alguns casos, chegou a derrubar estátuas de figuras que remontam a um passado escravagista. Defender a derrubada desses monumentos hoje corresponde, portanto, a defender que ambos os movimentos se misturem — isto é, que a derrubada de estátuas seja apoiada pelos levantes populares que estão acontecendo neste momento.

Essa mistura, contudo, representa uma política bastante diversionista porque os motivos pelos quais o povo está saindo às ruas não são exatamente os mesmos pelos quais alguns monumentos foram derrubados. A derrubada dos monumentos corresponde a uma tentativa de “revolução cultural”, uma preocupação tipicamente intelectual e, portanto, pequeno-burguesa, de “reescrever o passado”. O povo, no entanto, está sendo levado às ruas para escrever o seu futuro, para derrubar aqueles que são os principais responsáveis pelo seu sofrimento hoje.

As contradições nacionais

Mencionado o problema político, vamos agora nos deter aos aspectos mais ideológicos do problema. Em primeiro lugar, é preciso fazer uma retificação que já contribui para demonstrar o aspecto improvisado e, portanto, errático da campanha feita no Brasil e na Finlândia. Pedro Álvares Cabral foi apenas a figura que ficou conhecida por chefiar a expedição portuguesa que chegou ao território brasileiro pela primeira vez. A relação entre a invasão portuguesa e os conflitos com os povos indígenas é um fato, mas partir, daí, para acusar Cabral de ser um senhor de escravos ou mesmo um racista, no sentido de ser diretamente responsável pelas condições miseráveis do negro hoje, é uma completa distorção do problema. O mesmo vale para Arnarson: a Islândia do século IX não teve escravos negros, o que faz com que a reivindicação do movimento Black Lives Matter faça pouco sentido.

Como falamos, isso serve apenas para demonstrar que a campanha contra essas figuras históricas é uma adaptação da ideologia que está sendo difundida no momento — e, como uma adaptação, não pode resultar em uma política consistente. No entanto, continuaremos o debate, levando em consideração que os demais feitos de Cabral e Arnarson poderiam justificar que eles fossem apagados da história

Sem nem mesmo precisar entrar no mérito do que cada um individualmente fez, visto que isso apresentaria uma série de barreiras por causa da escassez de fontes históricas precisas, podemos facilmente concluir que ambos eram parte de regimes extremamente condenáveis do ponto de vista moral. Cabral foi uma personagem histórica da época das Grandes Navegações, período em que os europeus invadiram inúmeros territórios mundo afora, assassinaram e escravizaram nativos e roubaram suas riquezas. Já Ingólfr Arnarson é considerado um dos primeiros habitantes da ilha em que fica a Islândia, sendo oriundo da Noruega. Embora haja pouquíssimas informações confiáveis da época, o mais natural é que Ingólfr Arnarson, enquanto líder tribal de uma sociedade muito pouco organizada, tenha adotado várias medidas questionáveis do ponto de vista moral para conseguir o domínio daquela terra cheia de adversidades.

O problema é que não se pode olhar para a história com um filtro moral. A história da humanidade, como nos ensinou Marx e Engels, é a história da luta de classes: a história necessariamente conflituosa entre um grupo e outro pelo controle de toda a produção social. Tudo o que existe hoje é resultado direto da luta de classes — portanto, o desenvolvimento da sociedade hoje está diretamente vinculado a episódios de heroísmo e de barbaridade,

Ingólfr Arnarson e Pedro Álvares Cabral são figuras que representam um avanço muito importante para o Brasil e para a Islândia. Antes da chegada dos portugueses, o Brasil era um país infinitamente mais atrasado do que é hoje, um país dominado por povos indígenas que sequer conheciam a escrita. Em 500 anos, o Brasil avançou de maneira incomparável a tudo o que os indígenas fizeram em dezenas de milhares de anos. O mesmo vale para Ingólfr Arnarson: antes de ele se estabelecer e procurar organizar uma sociedade tribal, a ilha não tinha qualquer desenvolvimento. Já havia sido descoberta antes, é fato, mas ninguém havia procurado estabelecer uma civilização lá.

Não é possível eliminar a grande contribuição que essas figuras deram para a formação nacional no Brasil e na Islândia. Sem o processo do qual fizeram parte, os países hoje seriam tão atrasados que a escravidão pareceria uma expressão máxima de civilização.

Uma campanha imperialista

Analisada a questão nacional, cabe então fazer a seguinte pergunta: do que valeria apagar a história da formação nacional de tais países? Ora, isso só pode levar a um lugar: a que o povo perca as suas referências nacionais e, com isso, fique ainda mais vulnerável à intervenção do imperialismo. Ao procurar se livrar das figuras que escreveram a história das nações, a esquerda pequeno-burguesa acaba não se dando conta que, na verdade, está deixando o caminho livre para que o maior inimigo dos povos, por meio de sua tradicional demagogia, se apresente como o grande salvador da humanidade.

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