Como já dizia o velho ditado, “quando o filho é bonito, todo mundo é pai”. Quem está há mais de dois anos impulsionando a palavra de ordem de “Fora Bolsonaro” nas ruas não deixa de estranhar o verde-amarelismo que apareceu nos últimos atos. Não se trata de um capricho, mas de afirmar a identidade política da esquerda e impedir a infiltração da direita.
A imagem que ilustra esta matéria expõe como a direita está tentando manipular as manifestações populares. Roberto Freire é uma velha figura da política brasileira, que durante a ditadura fez parte da oposição consentida pelos militares no MDB, que mudou de nome para PMDB durante a crise do regime. Na etapa seguinte, integrou o falido Partido Comunista do Brasil (PCB) e com a crise terminal da URSS, ajudou a aniquilar o PCB e a transformá-lo no burguês Partido Popular Socialista (PPS), que em 2019 adotou o nome genérico e despolitizado de Cidadania.
A malandragem da burguesia. Esse cidadão não põe uma pessoa na rua, mas quer que os partidos e organizações que convocaram e organizaram a mobilização abaixem as suas bandeiras e que ninguém saiba quem está na luta para manipula-la pelo PSDB e suas franquias. Não, muito obrigado. pic.twitter.com/miUR266T4m
— Rui Costa Pimenta (@Ruicpimenta29) June 20, 2021
Graças à capitulação política de setores do PT e do PSOL, principalmente, a direita viu uma brecha para se apresentar como parte das manifestações contra Bolsonaro. Até o PDT do abutre Ciro Gomes estava lá, obviamente em pequeno número, mas já montando uma peça de propaganda para explorar eleitoralmente em 2022.
Ciro Gomes, Verde e Amarelo e Bolsonaro: tudo a ver pic.twitter.com/Q2FI7D6uTs
— PCO – Partido da Causa Operária (@PCO29) June 19, 2021
A postagem de Freire reflete o que diversos setores da direita têm proposto para a esquerda, os partidos políticos dividem, o vermelho divide, é necessário abrir mão da própria identidade para que o movimento seja o mais amplo o possível. Uma cilada armada e parte da esquerda está ansiosa para cair nela, mesmo com a experiência recente das manifestações de 2013. No ano passado, uma figura ligada a Boulos, Danilo Pássaro, chegou a ameaçar militantes do PCO que levassem as bandeiras vermelhas do partido nos atos de combate à extrema-direita em São Paulo. Em vão.
A direita não se sente confortável nas ruas, não é o seu terreno de atuação natural. Aproveitando a vacilação da esquerda, estão tentando equiparar o “Fora Bolsonaro” a um mero processo de impeachment. Esse é o pulo do gato para a direita tradicional, esvaziar as ruas e direcionar toda a ação para o parlamento. Ao contrário das manifestações populares, o parlamento é mais fácil de controlar e se torna um palanque privilegiado para os parasitas profissionais da política. E com um agravante: neste momento ele é dominado pelos bolsonaristas, isto é, será muito difícil que o impeachment seja votado, e se for tende a ser rejeitado – afogando a mobilização popular.
O circo criado na atual CPI da Covid deveria servir como um importante alerta para os setores da esquerda que acreditam em uma saída institucional contra Bolsonaro. Se a direita não conseguir um candidato que possa disputar as eleições de 2022 contra o PT, vai se unir novamente atrás do atual e ilegítimo presidente.
Mas para esse tipo de manobra vingar, é preciso esfriar as manifestações e tirar o povo das ruas. A pressão popular pela derrubada do governo Bolsonaro e todos os golpistas pode ter como efeito colateral o andamento de um processo de impeachment. Mas a saída de Bolsonaro, sem um substituto da direita tradicional, provocaria uma crise de consequências imprevisíveis para a burguesia. E dependendo do tamanho das mobilizações, o povo pode se manter nas ruas mesmo após isso.
As ruas são do povo. Toda a esquerda é bem-vinda, mas é preciso delimitar o terreno de luta e deixar os representantes da burguesia, a direita, de fora. Para derrubar o governo Bolsonaro o único caminho é ocupar as ruas.