Lula foi comparado a Hitler nas páginas do jornal O Globo. Aconteceu em um texto de opinião assinado por José Paulo Cavalcanti Filho, ex-ministro da Justiça durante o governo de José Sarney. Cavalcanti evocou esse paralelo esdrúxulo para “provar” que Lula não pode não ser culpado no caso do triplex, em que o ex-presidente foi condenado pelo ex-juiz Sérgio Moro. Porém, como o próprio Sérgio Moro, que foi o comandante clandestino da Lava Jato no processo contra Lula, Cavalcanti Filho também não apresenta prova nenhuma.
Troças
Em caixa alta, Cavalcanti Filho introduz um intertítulo chamado “PROVAS”. O leitor vive breves instantes de grande expectativa diante dos argumentos que se desdobram na sua frente. Pensa, “será que é agora que aparecerão as provas contra Lula, jamais vistas?”. Mas é aí que brota das palavras, sem nenhuma preparação ou advertência, a tal comparação.
O raciocínio é assim: “Crítica mais usual é não ter havido uma assinatura, na aquisição do tríplex. O argumento faz lembrar David Irving, que sustenta inexistir prova das responsabilidades de Hitler no Holocausto. Por não haver um único papel, assinado por ele, autorizando a matança”. De fato não há nenhum papel assinado por Lula. O apartamento “de Lula” nunca foi legalmente de Lula, e a tarefa da acusação seria justamente provar que tal vínculo existia.
E é aí que Cavalcanti Filho imita a própria Lava Jato na acusação contra Lula: o fato de que não existe nenhum documento prova que Lula tentava ocultar seu patrimônio, e prova, portanto, que o apartamento era dele. Afinal, Hitler também não se comprometeu assinando nenhum papel ordenando o Holocausto. Portanto, sempre que alguém não assina um papel se comprometendo com alguma atividade condenável, é porque esse alguém tem culpa (embora de jeito nenhum no cartório). Não faz o menor sentido, mas corresponde ao raciocínio que condenou Lula à prisão.
Mas a analogia não para por aí. Para refutar a “inocência” que Hitler teria por não ter assinado nenhum papel (como se isso fosse necessário no caso de uma política de Estado aplicada em larga escala e que correspondia à política defendida pelos nazistas publicamente), Cavalcanti Filho assinala o “Léo Pinheiro” que entregou Hitler. Trata-se de Adolf Eichmann, que afirma em uma autobiografia ter recebido ordens de Hitler para exterminar os judeus oralmente, por meio de Himmler e Heydrich. É a “delação premiada” que condenaria Hitler (como se precisasse nesse caos). Um problema dessa comparação é que Eichmann não mudou sua versão da história em troca de benefícios, como o delator de Lula fez.
Uma confusão
Depois de “provar” a culpa de Lula fazendo-a ser implicada pela própria falta de provas, repetindo o mecanismo falacioso da própria Lava Jato, Cavalcanti Filho continua raciocinando. E seu raciocínio produz outras conclusões sobre o processo de Lula. Sob um novo intertítulo, “UMA CONSPIRAÇÃO?”, Cavalcanti Filho demonstra que seria impossível haver uma conspiração contra Lula. Isso porque juízes de instâncias superiores mantiveram a condenação e porque parte desses juízes foram nomeados pelo PT. “Houvesse mesmo uma conspiração e, com certeza, Lula iria ser beneficiado. Por conta dessas indicações”, garante Cavalcanti Filho.
O problema dessa “refutação” é que ela não refuta coisa nenhuma. Os juízes podem, sim, participar de uma conspiração contra Lula mesmo tendo sido nomeados por Lula e Dilma. Além disso, os vazamentos do The Intercept Brasil formalizaram a denúncia dessa conspiração. Já nem é possível negá-la a essa altura. O raciocínio é errado em geral, e também está em desacordo com os dados que acabam de aparecer. As informações que apareceram até agora implicam inclusive o próprio STF na atuação clandestina em favor da Lava Jato. Como na conversa em que Sérgio Moro diz “in Fux we trust” (“em [Luiz] Fux nós confiamos”, parafraseando a nota de dólar). Luiz Fux, aliás, nomeado para o STF por Dilma.
A lógica da burguesia
Com esse tipo de “lógica” a burguesia condenou Lula no tribunal e em sua imprensa. Como se vê, é impossível escapar de uma condenação política desse gênero, porque tudo vira argumento para mantê-lo preso arbitrariamente, até mesmo a própria ausência de provas concretas. Essa mesma lógica rege todos os julgamentos de Lula sob as instituições golpistas.
Às ruas!
A única forma de superar esse esmagamento dos direitos de Lula, vítima de uma conspiração da direita que jamais teve direito de defesa nem um julgamento justo, é a mobilização popular exigindo sua libertação imediata e a anulação de todos os processos fraudulentos contra ele. É possível fazê-lo pela força das massas organizadas.