Em um contexto de serviço de saúde precário, desemprego, ausência de perspectiva de melhoria das condições de vida das famílias, quando 50 % das gestações não são planejadas, o governo revoga a nota técnica que recomendava a colocação de DIU por profissionais de enfermagem nas unidades de saúde.
As consequências desta medida, tomada sob pressão dos conselhos regionais de medicina (CRM’s)que buscam defender seus interesses corporativos, e vem ao longo dos anos restringindo a ação de outros profissionais da área de saúde, são ataques à saúde da mulher.
Assim como em outras ocasiões, como no caso do programa Mais Médicos, sob o aplauso e apoio do governo pseudo- moralista e reacionário, a burocracia médica encastelada nos “seus” CRMs se coloca contra os interesses da população em geral e condena milhares de mulheres à ausência de controle sobre suas vidas e seus corpos.
O simples cancelamento da nota técnica, dificultará em muito o acesso a este importante e eficaz método contraceptivo para os usuários do SUS, sabidamente a população mais pobre do país, indo na contramão do que é realizado nos sistemas de saúde do mundo inteiro, inclusive nos países capitalistas mais desenvolvidos. O preparo dos enfermeiros e enfermeiras para a colocação de Dispositivos Intra-uterinos é reconhecido mundialmente, estando os profissionais da enfermagem legalmente habilitados para o procedimento.
As consequências da medida impactam diretamente nos índices de saúde da população uma vez que a taxa de mortalidade materna no Brasil está muito acima da média mundial e muito além do estabelecido como meta pela organização mundial de saúde. As mortes decorrem muitas vezes de ausência de assistência pré-natal, de abortos provocados ou não, e também das consequências da mercantilização da saúde que em busca de maiores remunerações realiza partos cesárias em detrimento dos partos normais. No Brasil 57% dos partos são cirúrgicos enquanto a indicação seria de 10% a 15%, segundo dados científicos divulgados.
Segundo Sônia Lansky, pediatra e doutora em Saúde Pública, o DIU como método contraceptivo apresenta 21 vezes menor a chance de falha em relação a outros métodos e deve ser estimulado e propagado por sua segurança e potencial de impacto na prevenção da gravidez indesejada e da mortalidade materna por abortamento inseguro.
Desde o golpe de 2016, os números indicativos da deterioração do quadro de saúde da mulher brasileira tem se agravado imensamente. Um dos indicativos é o aumento da morte pós parto principalmente nas camadas mais pobres . Entre as mulheres negras a taxa de mortalidade chega ao a um patamar 300 % superior que entre as mulheres brancas.
Além do risco de morte aumentado, as mulheres tem sido vítimas de incríveis retrocessos na sua autonomia e decisão em decorrência de medidas governamentais e resoluções técnicas que somadas às expropriam de sua autonomia e poder de decisão, como por exemplo os protocolos exigidos para que as mulheres tenham acesso aos dispositivos intra-uterinos fornecidos pelo SUS.
Pode parecer mera incapacidade administrativa a situação exposta, ou então apenas a influência governamental da ala religiosa que se diz pró-vida instalada nos postos de decisão, mas a questão vai muito além disto. Retirar a autonomia do povo, das famílias e em especial das mulheres no planejamento de suas vidas , na escolha entre gerar ou não uma criança é parte de um projeto de dominação.
Pessoas sem escolha são alvos fáceis da ignorância e da limitação. São pessoas alijadas do poder de escolha, de luta e de crítica à sociedade que a oprime.
Ao observar nos bairros periféricos a quantidade de mulheres com três , quatro, cinco ou mais filhos atrás de si, devemos nos perguntar qual o poder sobre suas vidas tem estas mulheres. Qual sua capacidade real de emancipação, qual sua condição de oferecer perspectivas melhores para sua família. A situação de aprisionamento é óbvia. Impedir a mulher de controlar sua vida é na verdade um ato de opressão e dominação , assim como todos os demais atos que impedem a emancipação e libertação do povo em geral. Este é o projeto de poder da direita e não uma mera questão moral ou corporativa da classe médica.