Ao contrário do que muitos apregoam, o golpe ainda está em marcha; não só em ritmo acelerado, como em profundidade. Uma análise política deve leva em conta a totalidade, isto é, deve buscar compreender a movimentação das peças do quebra-cabeças de maneira integrada, articulando-se umas com as outras. Desta forma, algumas conclusões elementares podem ser tiradas da conjuntura política: o golpe de 2016, a fraude das eleições em 2018 e a Frente Ampla, são elementos que atuam em conjunto; em suma – são meios que interagem de forma dialética com a finalidade de se construir uma tese: o avanço da direita e da extrema-direita sobre os direitos democráticos da classe operária.
Dadas as condições em que a direita derrubou o governo de Dilma Rousseff em 2016, era inevitável que as contradições surgissem em meio ao desenvolvimento do regime golpista. O cálculo feito pela burguesia não foi feito na régua, mas no olho. A polarização política fez com que a extrema-direita tomasse a frente da direita tradicional e a alijasse. Abriu-se, então, uma crise interna entre os diversos setores da burguesia. E agora, qual medida os setores da direita tradicional poderiam adotar para resgatar o poder político? A campanha contra o PT, nitidamente, abriu espaço para o crescimento da extrema-direita, enquanto que os setores da direita e do centrão ficaram à deriva.
A tática não é nova e nem adotada de maneira isolada, assim como o golpe, ela circunda o campo de atuação da burguesia em torno da volta ao poder. O que nos espanta, contudo, é o fato do radar da esquerda não detectar essa ação inimiga. Ora, obviamente uma coligação contendo apenas partidos burgueses não seria capaz de avançar com a proposta de “restabelecimento democrático”. Nessas condições, a burguesia é obrigada à atuar nos limites democráticos que lhe são impostos. Se num extremo a extrema-direita atua impondo um regime de força, no centro do espectro político a burguesia trata de atrair a esquerda para não perder completamente o controle político. Eis que surge a Frente Ampla, uma tática que permite a continuação do golpe, porém servido em pratos requentados dos setores golpistas que, outrora, atuaram contra os direitos democráticos da população. A política não é uma equação aritmética, mas uma resultante das forças sociais em disputa. Sendo assim, não é preciso muito esforço para entender do que se trata. Seria absurdo crer que os setores da direita que deram o golpe passassem a defender os direitos democráticos da população.
Embora essa situação reflita claramente o desenvolvimento político e a necessidade de setores da direita em se restabelecerem no poder, boa parte da esquerda considera a Frente Ampla como um raio em meio ao céu azul. Isso pode ser observado da seguinte forma: quando os setores de esquerda apresentam a Frente Ampla, eles não falam que é parte do golpe, pois seria incongruente. Consequentemente, a figura de Bolsonaro aparece dissociada dos golpistas. Sem embargo, essa manobra de não mostrar os acontecimentos de conjunto possibilita que as pessoas sejam ludibriadas. Se antes a burguesia considerava Ciro Gomes capaz de atrair setores de esquerda, é evidente que a evolução dos acontecimentos tem exigido uma figura mais à esquerda que o oportunista do PDT. Boulos, a rigor, foi o elemento de esquerda que mais diretamente se somou e apoiou a iniciativa da Frente Ampla. O fato é que ele foi a público sendo o representante da esquerda nacional, uma espécie de avalista de esquerda dos direitistas que estavam na Frente Ampla. Evidentemente, Boulos não ocupa papel secundário; muito pelo contrário – ele é uma peça central de toda operação política.
Para as pessoas que acompanham a situação política, é notório que a Frente Ampla é uma nova etapa da situação que ocorre na sequencia ao golpe de 2016. A função da Frente Ampla é atrair o conjunto da esquerda – em particular o PT, para apoiar um candidato golpista nas eleições de 2022 e consolidar o golpe de 2016. O Bolsonaro era um estepe, foi chamado em cima da hora para ser o candidato, e, como pode ser visto – é um candidato problemático. Com Bolsonaro no governo, um setor da política burguesa fica excluído. Essa situação, por sua vez, gera um desconforto com os setores da burguesia. O desenvolvimento dessa situação se dá em torno da ideia de que Bolsonaro não deve sair. O bloco fundamental da burguesia que dirige o país desde o golpe de 64, quer a manutenção de Bolsonaro. A manobra da Frente Ampla não é para lutar contra Bolsonaro, é uma articulação com vistas a uma futura eleição, onde o bloco que hoje é dirigido por bolsonaro seria dirigido por DEM, PSDB, MDB com a participação de Bolsonaro que sempre esteve ai. Se é assim, Boulos cumpre papel fundamental para dar legitimidade a toda essa manobra política cuja função é dar continuidade ao golpe de 2016, ou seja – dar uma legitimidade de esquerda.