Muito poderíamos comentar sobre o artigo chamado “Notas sobre a conjuntura”, do professor da Ciência Política da USP, André Singer. No entanto, iremos nos deter naquilo que consideramos central e mais importante para o desenvolvimento da luta política no País, que são as considerações do autor sobre o aprofundamento da crise no Brasil e o crescimento da direita.
Ao comentar sobre os acontecimentos na Bolívia, onde um golpe de Estado derrubou o governo nacionalista de Evo Morales e agora reprime o povo na rua, Singer afirma que “embora Brasil e Bolívia sejam países de estatura diferentes, trata-se de um acontecimento ao qual o Brasil não está completamente imune. Não estou profetizando que isso irá acontecer no país. Espero, evidentemente que isso não ocorra e, sobretudo, batalhamos para que nada semelhante aconteça no Brasil.” O autor considera que o que ocorre na Bolívia estaria relativamente distante do Brasil, embora haja o risco de acontecer.
Ao afirmar isso, Singer ignora que, no Brasil, o processo golpista parecido com o que foi desencadeado na Bolívia, aconteceu com o golpe de Estado contra Dilma Rousseff em 2016. É fato que os acontecimentos no Brasil, pelas diferenças entre os dois países, ocorrem de maneira mais lenta. Mas no fundamental, os brasileiros passam pelo mesmo processo.
Um golpe orquestrado pela direita apoiada pelo imperialismo e que colocou em marcha setores da extrema-direita, que acabaram chegando ao poder. A luta no Brasil, embora não tenha atingido a forma aguda como na Bolívia, também tende a chegar a um enfrentamento nas ruas. Ao contrário do que afirma Singer, portanto, os acontecimentos na Bolívia são uma espécie de prenúncio do que tende acontecer no Brasil.
Mais à frente, Singer afirma que “a principal garantia de que acontecimentos desse tipo, que interrupções da democracia não venham a acontecer é a vigilância da opinião pública, da sociedade. A sociedade precisa manter-se alerta para os riscos que a democracia está correndo.” Singer parece ignorar primeiro que houve um golpe de Estado no Brasil – se não ignora completamente, faz pouco caso desse fator fundamental -; segundo, que esse golpe de Estado jogou por terra o pouco de “democracia” que ainda se podia encontrar no País. Mais precisamente, o golpe de Estado destruiu e tem destruído ainda os direitos democráticos do povo.
Ser “vigilante da opinião pública” com certeza não irá livrar o Brasil de um cada vez maior fechamento do regime político. Esse tipo de consideração confunde o panorama político.
Se levarmos ao pé da letra a consideração de Singer, deveríamos acreditar que tudo está razoavelmente bem no País e que basta sermos vigilantes. Não precisa lutar contra o governo, não precisa denunciar a extrema-direita, basta “vigiar”, embora não explique exatamente o significado da palavra.
Apreciação semelhante Singer tem do desenvolvimento do bolsonarismo e de seu novo partido. Embora reconheça que é um partido de extrema-direita, impulsionado pela política de defesa da ditadura militar, para o autor “as chances da Aliança pelo Brasil se transformar num grande partido parecem restritas. Não é possível afirmar que isso não irá acontecer, mas pelo modo como ele começa trata-se de uma tarefa relativamente difícil.” Singer subestima a extrema-direita assim como subestima o próprio golpe de Estado.
Podemos até concordar com o autor de que é impossível prever com exatidão o que será do partido de Bolsonaro, mas fato é que o aparecimento de um partido claramente direitista como este, aliado ao fato de que Bolsonaro é o presidente da República, não deveria ser subestimado, mas deveria ser motivo de preocupação. Não uma preocupação vazia e paralisante, mas que resulte num chamado à ação contra esse governo e todos os golpistas.
Um dos erros mais importantes dos momentos que antecederam o golpe de 2016 foi que parte da esquerda subestimava o que chamava de “gatos pingados” que saíam às ruas para defender, entre outras coisas, a intervenção militar. Essa política acabou dando espaço para o crescimento da direita que durante o processo de golpe acabou se transformando em dezenas de milhares nas ruas. A ponto de que esses “gatos pingados” são agora o governo federal.
A análise de conjuntura de André Singer é ingênua e parece não sair das paredes de uma sala universitária. Primeiro porque não leva em consideração os movimentos reais e concretos da situação política, mas mais importante porque induzem à paralisia diante de uma situação política tão grave.