Há 21 anos, o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) leiloava na Bolsa de Valores do Rio de janeiro, para grupos nacionais e estrangeiros, 12 empresas responsáveis pela telefonia fixa e móvel no país. Foi a maior privatização da história do Brasil, com uma estratégica e inestimável malha espalhada por todo o país vendida por R$ 22 bilhões. Em que pese a propaganda liberal, tal entrega não apenas expropriou o povo brasileiro de um patrimônio, como também nos legou uma dos mais caros e problemáticos serviços de telefonia do mundo.
A criação da Telebrás, concluiu um processo de nacionalização da telefonia iniciado em 1962, quando era servido quase que integralmente por empresas privadas indispostas a fazer os investimentos necessários condizentes com a expansão urbana decorrente da crescente industrialização nacional. Em 1961, 70 milhões de brasileiros dispunham de apenas 1,1 milhão de aparelhos concentrados no Sudeste.
Com o Código Brasileiro de Comunicações, aprovado pelo Congresso Nacional em agosto de 1962, estabeleceram-se as bases para o sistema brasileiro de telecomunicações de desenho estatal. Em 11 de julho de 1972, era criada a Telecomunicações Brasileiras S/A – Telebrás, reunindo inicialmente quatro empresas: a Embratel, a Companhia Telefônica Brasileira (CTB), a Companhia Telefônica de Minas Gerais (CTMG), a Companhia Telefônica do Espírito Santo (CTES) e a Companhia de Telecomunicações de Brasília (Cotelb). Rapidamente, este número cresceu para 24 empresas, divididas por unidades da Federação, as Teles que todos conhecemos.
Graças a seu caráter estatal, a Telebrás tornou possível a telefonia em praticamente todo o território nacional, fazendo pesados investimentos de infraestrutura, com a construção de uma enorme rede que contava com satélites, cabos submarinos e uma densa teia de interligação territorial.
O preço de tais investimentos, a corrupção local das concessionárias – sobretudo no caso da Telerj, no Rio de Janeiro – acabou por tornar o serviço final à população deficitário em algumas das principais cidades do país. Além disso, houve um sucateamento progressivo do sistema desde o governo Collor, já pressionado para privatizá-lo.
Dois fatores principais motivavam o novo interesse das empresas privadas pela telefonia após décadas de abandono: a Telebrás já havia feito todo o investimento pesado de infraestrutura; mudava-se o paradigma tecnológico do setor com o advento da telemática (combinação entre telecomunicações e informática). Se na década de 1970, custava cinco mil dólares instalar um telefone, em 1998 esse valor se reduziria para 20 dólares.
Embora concessionárias problemáticas como a Telerj apresentassem déficit constante, a maioria das empresas do sistema era lucrativa. Em 1998, antes da privatização, o lucro líquido da Telebrás foi de R$ 2 bilhões. Por estas cifras, é possível imaginar o tamanho do roubo ao patrimônio nacional de sua venda. Até hoje, somente a Vivo – controlada pela Telefónica Brasil – apresenta um lucro líquido da ordem de R$ 1,3 bilhões por ano.
Evidentemente, no processo de privatização choveu dinheiro de propinas em troca do favorecimento de determinados grupos. Basta lembrar do chamado “Escândalo do Grampo do BNDES”, em que gravações feitas pela Abin mostraram que a cúpula do BNDES e o governo federal articulavam o favorecimento do grupo Opportunity, de Daniel Dantas. Os responsáveis eram sobretudo Fernando Henrique Cardoso, o ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros e o presidente do BNDES André Lara Resende, cujos diálogos telefônicos vieram a público sem qualquer consequência para os envolvidos, que inclusive atuaram politicamente na articulação do golpe de 2016.
É costume da Direita comparar o problemático sistema analógico anterior à telefonia celular de hoje, atribuindo tal salto qualitativo e quantitativo à privatização. É uma manipulação completa dos fatos. É sabido que, na década de 1990, com a redução dos custos de implantação de redes, vivia-se em relativa normalidade: os valores não eram exorbitantes como hoje, as filas para compra de linhas haviam terminado, as instalações eram rápidas, já havia telefonia celular no país. Além disso, a qualidade dos serviços das concessionárias da Telebrás era muito superior à das empresas privadas – exceção feita à Telerj, sempre. A telefonia brasileira estava em curso de melhora desde o fim do regime militar, e os problemas que persistiam eram frutos de vícios originários do próprio regime miliar – como uma falta de investimentos crônica no Rio de Janeiro.
Além deste crime de lesa-pátria, da entrega de nosso patrimônio ao estrangeiro, desnecessário apontar o óbvio: nossa telefonia é hoje uma das mais caras do mundo para o a população, e as companhias telefônicas são campeões de reclamações junto à Procuradoria de Defesa do Consumidor. Para aumentar o escárnio com a população brasileira, a privatização sempre esteve na ordem do dia desde a Ponte para o Futuro apresentada em 2015 pelo PMDB. Mais ainda: privatizar tudo o que puder – todas as estatais – é a meta do ministro Paulo Guedes, à frente da pasta da Economia do governo do fascista Jair Bolsonaro.