Durante a ditadura de 1964, um dos pilares do regime militar era, sem sombra de dúvidas, o controle sobre a informação. Sem a detenção da maior quantidade de dados possíveis acerca de todas as esferas da sociedade brasileira da época, era inviável manter a ditadura no sentido de que o governo não teria controle sobre nenhuma tendência ao combate ao regime ditatorial. Entendendo isso, os militares investiram pesadamente nestes sistemas, organizando uma rede de uma capilaridade impressionante que passava por todos os níveis de organização social, do individual ao nacional.
Uma das principais estruturas criadas pelos militares durante este período foi o SNI, Sistema Nacional de Informações. O SNI foi criado com um objetivo muito simples e direto: espionagem. Servia como um órgão de coleta de informações e de inteligência, tanto angariando dados como formulando estratégias para o funcionamento da própria presidência da República. Nesse sentido, foi de extrema importância ao regime militar para auxiliar na perseguição e, acima disso, na tortura daqueles considerados inimigos políticos do Estado.
Agora, temos Bolsonaro. Sem esconder suas verdadeiras intenções, louva a ditadura como se fosse um sonho de infância. Bolsonaro estrutura a ditadura sem ainda colocar os militares sob o controle do Estado. Se esconde atrás do golpe de 2016 como excreção resultante da escatologia que foi o processo, e intensifica o caráter policialesco do Estado brasileiro desde então. Ano passado, vimos mais uma prova disso com o Decreto 10.046, que institui o Cadastro Base do Cidadão (CBC). Por mais que o decreto tenha sido rechaçado pelo povo, mais uma vez, vemos o poder que a luta política dentro do Parlamento pós-golpe tem: nenhum. Afinal de contas, este ano, saiu a denúncia de que o CBC está funcionando e, além disso, está bem ativo.
Na última terça-feira (07), a think tank Coding Rights, focada em direitos digitais, lançou um relatório que denuncia o atual estágio do desenvolvimento do CBC. A megabase de dados, que parte da integração entre diferentes bases de dados do governo, que vão de CPF às informações de emprego, passando por saúde e até dados biométricos; já foi consultada por pelo menos 28 órgãos do governo. Dentre eles, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, Ministério da Economia e a Advocacia-Geral da União, o Ministério da Justiça e da Segurança Pública e, de forma extremamente alarmante, a Abin, Agência Brasileira de Informação e o próprio Comando do Exército.
Fica, então, o questionamento: o que quer a Abin e o Exército ao acessar uma base de dados sem precedentes na história do Brasil que contará, futuramente, até mesmo com informações sensíveis e “características biológicas e comportamentais mensuráveis”, como dados biométricos? Alguns, ainda iludidos com a consolidada democracia brasileira, defenderão a condecorável iniciativa do governo Bolsonaro de tornar mais eficiente a gestão do Estado. Todavia, àqueles que ainda estão minimamente ligados à realidade, fica claro que é, acima de tudo, uma gigantesca estrutura para monitorar, organizar e classificar as informações de todo o povo brasileiro, visando, decerto, o estabelecimento de uma nova e ainda mais perigosa ditadura militar no Brasil.
Outro aspecto de importante nota que, inclusive, coloca o CBC numa posição ainda mais perigosa, é o fato de o dispositivo não se enquadrar dentro da LGPD, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Em suma, é, basicamente, uma carta branca criada pela burguesia golpista para intensificar ainda mais o seu controle sobre o Estado e, em geral, sobre a classe operária brasileira e suas representações de esquerda. Afinal, não podemos nos enganar, todo e qualquer aparato criado e defendido pela burguesia vem no sentido de acabar com o levante dos trabalhadores que, uma hora ou outra, destrói a posição privilegiada e inconsequente do imperialismo que, desde 2016, ataca e esmaga toda e qualquer expressão progressista dentro da sociedade brasileira.
Nesse sentido, a denúncia do que vem acontecendo no Brasil – a espionagem em massa por parte dos golpistas – é imprescindível. Caso não haja ampla mobilização em torno dessa questão, caminharemos cada vez mais para um futuro sombrio e, inevitavelmente, fascista. Afinal de contas, a inércia da esquerda e das organizações populares resulta, invariavelmente, no avanço da dominação imperialista sobre os trabalhadores. O acontecimento relatado é mais uma prova disso no sentido de que demonstra o papel que a Abin e o próprio Exército estão desempenhando dentro da administração de Bolsonaro: verdadeiras estruturas de vigilância em âmbito nacional. Vale, inclusive, recapitularmos algumas ações tomadas pela Abin neste último período: requisição das CNHs de toda a população; monitoramento de movimentos sociais; interferência e diversas esferas do poder público nacional; monitoramento individual de figuras de esquerda; utilização da Lei Nacional de Segurança para censura direta; entre diversas outras maravilhas do estado policialesco moderno.
É por isso que não se pode deixar a extrema-direita e, ao lado desta, a direita golpista tradicional avançar dentro da política nacional. No final, a luta da classe operária deve ser contra o imperialismo, pai de toda essa miséria e principal carrasco dos trabalhadores. Qualquer divergência representa, necessariamente, armadilha para a esquerda. E, neste momento, não podemos cair em nenhuma ilusão.